Licença-maternidade e suspensão total do contrato de trabalho

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O contrato de trabalho é de natureza sui generis porque permite ocorrências durante sua vigência que ultrapassam os limites das obrigações recíprocas contratadas e provocam, tais ocorrências, efeitos de proteção especial, impedindo que o empregador exerça seus poderes diretivo e disciplinar. É o caso da suspensão do contrato de trabalho durante as férias do empregado, durante o descanso semanal remunerado, o período de licença-maternidade de 120 dias, conforme estabelecido em lei, afastamentos por motivo de doença ou acidente do trabalho, exemplificativamente.

No caso do gozo do período de férias anuais ou do descanso semanal remunerado, o empregador perde, temporariamente, o comando do contrato. O empregado é o único titular do direito conquistado no curso do cumprimento do contrato, com tempo de trabalho durante 12 meses para as férias ou cumprimento integral da duração das horas do trabalho na semana. São garantias legais que se transformam em direitos uma vez preenchidos os requisitos, condicionados ao preenchimento da obrigação prevista em lei e, uma vez satisfeita, o empregado adquire o direito e o exerce com titularidade plena e absoluta ausência da subordinação ao empregador.

Desta forma, essa reserva jurídica de gozo do direito a férias ou descanso semanal não permite que o empregador nela interfira sob pena de estar violando garantia legal de natureza social e de proteção individual.

Por isso, durante o curso de sua aquisição, as ausências ao trabalho ou ao cumprimento do contrato são tratadas de modo criterioso pelo legislador de modo objetivo. Por isso o TST invalidou norma coletiva que limitava o abono de faltas por atestado a 48 horas apenas, conforme notícia de 13/7/2023, veiculada no sítio de notícias. Tratou-se de decisão da Sessão Especializada em Dissídios Coletivos, em ação anulatória proposta pelo MPT e teve como relator o ministro Caputo Bastos e que se fundou no Precedente Normativo 81 da SDC (RO-1108-90.2018.5.08.0000).

Quando se trata de afastamento por licença-maternidade, observam-se dois efeitos: o primeiro, assegurado pela Constituição (artigo 10, II, “b”, ADCT) e que diz respeito à garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto; e, o segundo, relativo à transferência ao Estado da obrigação de garantir benefício durante o período de afastamento de 120 dias, impropriamente chamado de salário-maternidade. Relativamente aos poderes diretivo e disciplinar do empregador, cessam eles peremptoriamente, cabendo ao empregador assegurar a garantia de emprego e o retorno da gestante às funções exercidas anteriormente à suspensão do contrato.

Durante o período em que a empregada está em gozo de sua licença-gestante, o exercício da titularidade do direito está dividido entre a mãe e o recém-nascido, cabendo ao empregador, exclusivamente, aguardar o retorno da empregada com o término do período de afastamento.

A jurisprudência trabalhista do TST se consolidou no sentido de tornar inválida a concessão de aviso prévio na fluência de garantia de emprego (Súmula 348) porquanto incompatível o tempo da estabilidade provisória acumulado com aviso de dispensa do contrato. Institutos diferentes devem ser observados cada um a seu momento.

Aplicar-se-ia a mesma regra da impossibilidade de fruição de aviso prévio durante a garantia de emprego para a atitude do empregador que comunica a empregada gestante, em gozo de licença maternidade, de que o contrato será rescindido no seu retorno ou que o posto que ocupava foi extinto, gerando ansiedade e preocupações nos primeiros momentos da maternidade.

O ministro Alexandre de Moraes, no autos do Recurso Extraordinário 629.053, São Paulo, em que se discutia a necessidade ou não de comprovação formal da gravidez para o reconhecimento da garantia de emprego constitucional, asseverou com acuidade que, verbis:

“A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e, nos termos do inciso I, do artigo 7º, o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante. Sob essa ótica, a proteção contra dispensa arbitrária da gestante, caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quando da criança, pois a ratio da norma não só é salvaguardar outros direitos sociais da mulher – como, por exemplo, o pleno gozo do direito a licença maternidade – mas também, efetivar a integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador).

A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social duplamente protetivo é reafirmada pelo art. 10, inciso II do ADCT, ao estabelecer que “até que seja é reafirmada promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”. Em suma, a fim de se garantir uma estabilidade econômica à gestante para que ela tenha, durante a gravidez, e, depois, nos primeiros meses, que comprovadamente pela medicina e pela ciência são os meses mais importantes de proximidade da mãe com filho, a Constituição e o ADCT estabeleceu um período em que se garantiu uma estabilidade econômica para auxiliar numa instabilidade psicológica da mãe; e isso obviamente auxiliando toda a gestação e esses cinco meses, auxiliando o início de vida da criança. A ratio dessa norma, a meu ver, não é só o direito à maternidade, mas também a absoluta prioridade que o art. 227 estabelece de integral proteção à criança, inclusive, ao recém-nascido. É um direito de dupla titularidade.”

Desta forma, do que se viu, a licença-maternidade exige cuidados especiais e impede que o empregador adote comportamentos equivalentes à dispensa da empregada, causando-lhe danos psicológicos e afetando o metabolismo diante da iminência de dificuldades econômicas em face da perda de emprego anunciada.

Em conclusão, os períodos de afastamento que impedem a continuidade da prestação de serviços pelo empregado podem ser decorrentes de conquistas pessoais e próprias do comportamento do empregado no cumprimento de suas obrigações contratuais (férias e descanso semanal remunerado) ou, de outra via, como no caso da gestante, decorrente de compromisso social de proteção da maternidade e, por esta razão, imporia ao empregador, em última análise, dar efetividade ao direito.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-jul-28/reflexoes-trabalhistas-licenca-maternidade-suspensao-total-contrato-trabalho