Crise econômica exige cuidado redobrado de quem lida com Direito de Família

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Em uma economia em crise, como a americana, a atenção dos operadores de Direito, não raro, se volta em demasia para o desempenho dos mercados, para o mundo corporativo, para o universo das aquisições e fusões, para a saúde do comércio e à gestão de empresas. Mas os advogados não podem se esquecer de que uma crise na escala em que os americanos enfrentam afeta “todos os níves e aspectos da sociedade”, sobretudo os elos mais frágeis, como a organização das famílias. “Como aconselhar os clientes na administração de patrimônio, nos percalços que envolvem laços domésticos e afetivos em uma economia em frangalhos?”. Essa foi a pergunta do especialista Jonathan J. Bates, da banca Kinser Bates, de Dallas, em artigo publicado no Texas Lawyer.

A situação é ainda mais complexa quando se trata do cliente que enfrenta dificuldades financeiras enquanto percebe que o divórcio é inevitável. Onde entra a prática do Direito de Família neste cenário?, questiona Bates, que é especializado em Direito Familiar pelo Conselho de Especialização Jurídica do Texas, atua na Ordem de Advogados de Direito de Família do estado e é um dos diretores da Academia de Especialistas em Direito de Família, também do Texas.

“Orientação eficiente” não está desassociada do “papel de conselheiro” que é inerente ao perfil de um bom advogado de Direito Familiar, diz Bates. Advogados que atuam nesta área são, sim, conselheiros de família, sobretudo ao falar sobre os riscos que a parte enfrenta quando encara o processo de divórcio.

De acordo com o especialista, em uma economia vacilante, a primeira dificuldade enfrentada pelo cliente diz respeito aos riscos envolvendo o “limiar, a soleira” de um divórcio contencioso. “A decisão de iniciar ou as consequências de adiar o divórcio” envolve um conjunto atordoante de variáves que vão do mais íntimo plano afetivo ao mais profundo desgaste financeiro, diz Bates.

O autor observa que, nos EUA, cresce o número de cônjuges que adiam o divórcio por razões financeiras. De acordo com advogado, com a estagnação da economia, cresceu também o número de litigantes que, após iniciar o processo, o interrompem posteriormente também por conta de problemas com dinheiro. Muitas vezes, o que era um um recuo estratégico por conta de dificuldades financeiras se torna “uma última tentativa de salvar uma relação condenada”, diz.

“Esforços de reconcialição são admiráveis. Mas em inúmeras situações onde o casamento não depende mais de reparos, o adiamento pode repercutir em inúmeras consequências ”, explica Bates. “Não é raro que comportamentos tóxicos, que destruiram o casamento, continuem promovendo um ambiente emocionalmente insalubre para os cônjuges e as crianças”, avalia.

O especialista cita ainda casos em que a falta de aconselhamento eficiente por parte do advogado de família leva uma das partes a manipular os ativos e a propriedade em comum ao seu favor antes que ocorra a partilha. É comum também resultar na ocorrência de danificação de bens conjugais, promovida por um dos lados, com o fim de prejudicar o parceiro, antes mesmo do divórcio. O autor relata casos em que desistências e adiamentos comprometem a credibilidade das partes diante dos juízes nas varas de família. “Piorando o cenário, se o cliente deseja retornar ao relacionamento no meio do processo, o juiz – ou mesmo o júri – pode entender que o parceiro ou parceira passou a aprovar o comportamento da outra parte, o que compromete sua credibilidade em futuros argumentos ou mesmo em futuras ações”, escreve Bates.

Vulnerabilidade emocional
Jonathan J. Bates avalia também que a relação entre estagnação financeira e desequilibrio emocional, em nível de família, leva a situações em que o advogado tem de operar em meio a um turbilhão de eventos, onde, às vezes, é quase impossível pensar com clareza. Bates enumera uma série de cuidados que o profissional precisa ter no caso de a batalha entre as partes assumir um grau maior de confrontação. Segundo o especialista, casais costumam descobrir, na corte, o pior lado de um e de outro. São supreendidos por golpes duros que vêm do outro lado e quase sempre se surpreendem com a própria agressividade ao responder aos ataques.

“Para proteger o cliente de possíveis traições ou golpes durante o processo judicial, o advogado de família tem de assumir que a outra parte vai gravar qualquer contato ou comunicação de seu cliente e está disposta a usar os registros contra o mesmo como evidência em um tribunal”, analisa Bates.

Outro problema apontado pelo autor é quando o advogado “baixa a guarda” junto com o cliente porque as partes resolveram se reconciliar ou colaborar para produzir um acordo. O especialista explica que, por mais incrível que pareça, muitos advogados esquecem de recomendar aos clientes que não assinem nada, mesmo durante períodos de trégua ou reconciliação, pois não são raros os casos em que uma das partes tira vantagem da outra durante esses intervalos de “vulnerabilidade emocional.”

Bates explica que mesmo quando “a paz parece certa”, cabe ao profissional manter a objetividade e garantir que seu cliente saia resguardado. Um dos conselhos dados pelo autor é sobre manter os canais exclusivos de comunicação com o cliente mesmo depois da reconciliação. O que não é simples quando o assunto em pauta é a intimidade e confiança do casal um com o outro. “Além disso, cabe ao advogado assegurar que a troca de informações e vias de acesso, como contas de e-mail, por exemplo, permaneçam seguras, sem que o cônjuge tenha acesso, para que a comunicação siga confidencial até o término do período de reconciliação.”

Produção de provas
Outro ponto central abordado por Bates é o uso da produção de provas na instrução processual em casos de divórcio, o que é chamado de “legal discovery” no Direito americano. Bates observa que, com casais que tiveram o rendimento e o patrimônio reduzidos por conta da recessão no país, é comum ocorrer que as partes tentem evitar ou cortar quaisquer gastos relacionados à instrução processual, passando direto à fase de negociação, muitas vezes “munidos de informação incorreta ou incompleta”. Segundo Bates, isso coloca cliente e advogado em uma “situação de risco significativo”.

“É essencial para o advogado de Direito de Família comunicar plenamente ao cliente a respeito das ferramentas de produção de provas na instrução processual (legal discovery) e dos riscos financeiros relacionados à renúncia de utilizá-las”, alerta o especialista. Neste caso, o autor também adverte para problemas de comunicação e confiança que podem ocorrer entre o próprio advogado e o cliente. “O advogado deve registrar o aconselhamento por escrito (o ideal é que seja assinado pelo cliente) para evitar eventuais críticas, reclamações e frustração da clientela. O documento escrito deve incluir uma declaração clara e objetiva de que, sem as informações necessárias, o advogado é incapaz de avaliar efetivamente o patrimônio dos cônjuges e assim estudar qualquer oferta para a elaboração de um acordo potencial”, sugere.

Ferramentas para avaliar renda e patrimônio das partes são imprescindíveis, de acordo com o autor. Nos EUA, a exemplo da produção de provas na instrução processual, o “legal discovery” ocorre em uma fase de pré-julgamento, em acordo com a lei de processo civil, a fim de se obter provas da parte contrária no litígio. Inclui-se aí solicitações de intimação para interrogatórios, pedido de apresentação de documentos, depoimentos, entre outros.

Outro problema acentuado em razão da crise financeira é a preocupação das partes com os custos de um divórcio, sobretudo litigioso. Segundo Bates, esta é uma nova frente em que o advogado de família passou a atuar de forma mais incisiva. “Conforme cresce a preocupação com o custo dos litígios, fornecer uma análise de custo-benefício é essencial. Uma vez que são as emoções que guiam muitas das escolhas do cliente, decisões financeiras prudentes são mais importantes do que nunca, mesmo em tempos de calmaria econômica”, pondera Bates. “Cabe ao advogado de família orientar o cliente para que este escolha suas batalhas com cautela.”

Divórcios contenciosos são muito caros e é necessário que o cliente entenda que “não pode atirar para toda direção”. “O controle de custos permanece como uma técnica efetiva de controlar a impulsividade do cliente”, diz Bates.

De acordo com o especialista, a recessão que ocorre nos Estados Unidos tornou o campo de atuação do profissional de Direito de Família muito mais complexo e é necessário que os advogados compreendam o novo cenário. É no nível familiar que a crise deixa de ser uma preocupação subjetiva e passa ser um problema cotidiano. “Quando um casal decide encerrar um casamento, os profissionais de Direito Familiar têm uma situação complexa e delicada em suas mãos, mesmo no melhor dos cenários econômicos. Com a economia tumultuada como a de hoje, decisões precipitadas podem ser devastadoras para o cliente de um advogado que não o educa cuidadosamente sobre as consequências de suas ações”, conclui.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-dez-27/crise-economica-exige-cuidado-redobrado-quem-lida-direito-familia