Juliana Bonacorsi: PL 7.448/17 e a segurança jurídica de novos planos

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A insegurança jurídica é um dado da realidade: ela jamais poderá ser vencida. Porém, em função de suas diversas consequências negativas, historicamente o Direito tem buscado métodos de enfrentá-la.

Para criar ambientes de maior previsibilidade e estabilidade nas relações com o poder público, normas esparsas trazem medidas de segurança jurídica. Assim se verifica, por exemplo, na Lei Federal de Processo Administrativo (Lei 9.784/99), que veda que nova interpretação tenha efeitos retroativos (artigo 2º, parágrafo único, XIII) e declara prazo decadencial para a administração invalidar seus próprios atos viciados (artigo 54), além de expressamente se referir à segurança jurídica como um dos valores públicos que a administração tem por função tutelar (artigo 2º, caput). O mesmo se verifica na Lei da ADI (Lei 9.868/99,) que permite a modulação de efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social (artigo 27).

Trata-se, porém, de iniciativas pontuais com alcance muito limitado. Pesquisas empíricas, estudos monográficos e debates acadêmicos aplicados têm revelado cenários de incerteza nas relações da administração pública com particulares ou controladores. Neste segundo caso, há incertezas (i) sobre quem vai decidir; (ii) sobre as regras com que irá se decidir; (iii) sobre o que irá decidir; (iv) sobre o tempo em que a decisão irá perdurar; e (v) sobre a ordem de impacto da decisão. Tudo isso torna o sistema imprevisível, instável e de consequências incertas.

O PL 7.448/17 surge dessa ordem de reflexão. É preciso conferir maior segurança jurídica na esfera pública. Do contrário, serão agravados os sintomas amplamente diagnosticados de paralisia decisória, aumento da corrupção, freio à inovação na gestão pública, encarecimento das contratações públicas, desestímulo à atração de bons quadros à máquina administrativa, incertezas no ambiente negocial, dentre tantas outras mazelas.

Desmistificando o PL 7.448/17, constata-se que ele não é uma conspiração de advogados contratados por concessionárias de serviços públicos para limitar o controle. O PL não cria qualquer mecanismo para que a administração se esquive do controle e na maior parte dos seus preceitos esclarece, aprofunda e generaliza experiências já em curso na gestão pública. O PL 7.448/17 supera embates sobre o espaço da administração e do controlador focar o resultado final: coerência, transparência e maior fluxo de informações para que as ações públicas sejam mais previsíveis e estáveis. Somente assim será possível elaborar bons planos: decisões empresariais, decisões de políticas públicas e de contratações públicas, bem como decisões legislativas sobre articulação institucional.

Por essa razão o PL 7.448/17 ser autêntica metanorma e pretender se situar na LINDB, orientando todo o funcionamento do Direito nas relações envolvendo o poder público. Seu texto se funda em três grandes pressupostos:

(1) Administrar é interpretar. O PL reconhece que a administração interpreta e confere “peso” a essa interpretação. Argumentos “superficiais e leves” de controladores — fundamentados em valores jurídicos abstratos ou com motivação insuficiente — não podem afastar a interpretação administrativa. O PL prevê ônus argumentativos que integram a motivação de decisões administrativas e controladoras. Tais ônus não são aleatórios ou caprichosos, mas decorrem da própria natureza das normas administrativas. Eles tornam a decisão mais clara e controlável, evitando o arbítrio e viabilizando o diálogo institucional.

(2) Confiança no gestor público honesto para inovar na gestão pública. O PL da Segurança Jurídica não está preocupado com o gestor de má-fé. Para este, foi construída toda uma legislação de controle. Está preocupado, isso sim, com o gestor de boa-fé. O PL 7.448/17 deposita confiança no gestor público honesto para inovar, corrigindo histórica injustiça de colocar sob a mesma régua de responsabilização agentes públicos honestos e desonestos. Assim, confere segurança para que o gestor decida dentro de seus próprios parâmetros de avaliação técnica e inove na gestão pública sem receios.

(3) Previsão de medidas para um sistema mais previsível, estável e democrático. O PL previu uma série de instrumentos, quase a totalidade deles praticados em vários órgãos administrativos, que reforçam a confiança legítima dos cidadãos perante a administração e tornam a atuação administrativa e controladora mais racional, permeável e controlável. São os exemplos do dever de motivar qualificadamente quando se decidir com base em valores jurídicos abstratos, do regime de transição para interpretação de orientação nova, da ação declaratória de validade, do tempus regit actum, do permissivo genérico para acordos e da consulta pública.

Esse é um projeto fundamental para melhorar o desenvolvimento brasileiro. Sou prova viva da idoneidade de sua elaboração e, do ponto de vista acadêmico e como pesquisadora empírica, consigo vislumbrar tamanhas melhorias que poderia chamá-lo de revolucionário e civilizatório. Que o PL 7.448/17 não pereça por má compreensão ou por lentes não republicanas de leitura — queremos todos um Brasil melhor.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2018-abr-20/juliana-bonacorsi-pl-744817-seguranca-juridica-novos-planos