PF do Rio não quer mais participar do cumprimento de alvarás de soltura

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 Na busca por uma solução para um já velho imbróglio entre oficiais de Justiça e delegados de Polícia Federal na hora do cumprimento de alvarás de soltura expedidos às noites ou nos finais de semana, a Justiça Federal do Rio está propondo à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) um convênio pelo qual a libertação de presos será encaminhada por meios eletrônicos e independerá da ação da Polícia Federal.

A minuta do convênio, já submetida à Corregedoria e à presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), está sob análise da Secretaria. Enquanto ele não for assinado, porém, o juiz federal Marcelo Leonardo Tavares, diretor do Foro Federal do Rio, desenvolve um projeto piloto no qual a consulta ao Sarq-Polinter (Serviço de Arquivo da Polícia Interestadual) — quando se verifica se há outros mandados de prisão contra o preso beneficiado por um alvará de soltura — será feita eletronicamente.

Este projeto, porém, não eliminará o principal fator de desgaste entre oficiais de Justiça do Judiciário federal e delegados federais do Rio, uma vez que a apresentação do preso para que o representante do juízo confirme sua integridade física e constate sua libertação permanecerá a cargo dos policiais federais. Ou seja, estes continuarão buscando o recluso na penitenciária e o escoltando até a Superintendência do DPF no Rio, onde será feita a apresentação, tal e qual prevê ofício conjunto dos juízes federais da área criminal — 24/2000 —, de março de 2000.

A celeuma toda entre oficiais de Justiça, também chamados de analistas judiciários, e a Polícia Federal data justamente do ano 2000, quando o então superintendente da Polícia Federal do Rio, Pedro Berwanger, editou a Instrução de Serviço 1/2000, de janeiro daquele ano.

No Rio, como a Superintendência do Departamento de Polícia Federal, desde o final dos anos 90, fechou a sua carceragem — a princípio, alegando reforma, mas, depois, em 2009, extinguiu-a oficialmente —, os presos provisórios à disposição da Justiça Federal são levados para o Sistema Penitenciário Estadual. Tanto a entrega dos detentos como sua retirada do sistema, seja para apresentação em juízo ou mesmo para ganhar liberdade, sempre foi tarefa executada pelos policiais federais.

Na instrução de serviço, Berwanger recomendou que os delegados de dia, ao receberem um alvará de soltura, depois de feitas as consultas aos Sarq-Polinter e ao Sinpi/DPMAF (Sistema Nacional de Procurados e Impedidos da Delegacia de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras), entregassem aos oficiais de Justiça os ofícios para eles levarem às penitenciárias buscando o preso sozinhos.

A instrução de serviço reflete o pensamento dos policiais federais que entendem que sendo o preso da Justiça Federal, ela, ao soltá-lo, deveria encaminhar seu oficial de Justiça direto ao presídio, e não à Superintendência, como faziam na época em que existia a custódia. Além disso, embora não declarem, há certa resistência também na busca do preso, pois o Sistema Penitenciário de Gericinó, onde se localiza o maior número de presídios, fica a mais de 40 quilômetros de distância do centro do Rio.

Em resposta à IS 1/20, os juízes federais criminais editaram o Ofício Conjunto 24/2000 determinando ao superintendente que, “apresentado o alvará de soltura de preso provisório, pelo oficial de Justiça, mediante prévia consulta à Polinter e Sinpi, seja dado imediato cumprimento ao mesmo, pela autoridade da Polícia Federal”.

O desentendimento entre delegados e oficiais voltou a acontecer a partir do ano passado quando, em julho, o então superintendente do DPF no Rio, Angelo Gioia, assinou um Convênio de Cooperação Técnica com o secretário de Administração Penitenciária, coronel Cesar Rubens Monteiro de Carvalho, no qual estipulam que em nome das normas de segurança dos presídios, o ingresso ou a saída de presos no sistema penitenciário só ocorreriam entre 8h e 20h.

Os termos do convênio foram suficientes para reacender a polêmica. A partir dele, os policiais se recusavam a buscar os presos depois de 20h ou nos finais de semana e os oficiais de Justiça insistiam no cumprimento imediato dos alvarás. Um destes entreveros, como noticiou a ConJur ocorreu na noite de 16 de julho de 2010, quando o delegado Paulo Roberto de Jesus Rosa não apenas se recusou a buscar o preso José Luiz Lopes, como desrespeitou a oficial de Justiça Dayse Diogo Passos. O preso só foi solto no dia seguinte, depois de a oficial de Justiça insistir durante toda a madrugada com o delegado.

O policial, por conta de sua atitude, está sendo compelido a aceitar uma transação penal, que lhe impõe multa de R$ 12 mil e a prestação de serviço serviços à comunidade por oito horas semanais por 12 meses, para não ser processado pelos crimes de prevaricação e abuso de poder.

O problema voltou a se repetir em 31 de março deste ano quando o oficial de Justiça Ramon Barros Lopes foi, por volta de 21h30, à Polícia Federal com os alvarás de soltura de Aguinaldo Alves Rodrigues e Maria Gabriela Nogueira Gomes. Com base no convênio firmado entre o superintendente e o secretário de Administração Penitenciária, o delegado Edevaldo, recusou-se a buscar os presos. O oficial insistiu, e o entrevero durou toda a madrugada, conforme relatado por Lopes na certidão positiva do cumprimento de mandado que ele emitiu com nada menos do que cinco laudas, narrando minuciosamente a discussão. Entre outras alegações, o delegado teria dito que enquanto os dois — ele e o oficial — estavam ali, “o juiz estava de pijama tranquilo em sua casa”. Os presos só foram postos em liberdade ao meio dia do dia 1º de abril.

A certidão levou o juiz responsável pelo alvará, Vlamir Costa Magalhães, da 4ª Vara Federal Criminal, encaminhar ofício ao Superintendente da Polícia Federal, solicitando as providências cabíveis. Copias desta correspondência e de toda a documentação em torno da recusa do delegado também foram enviadas para a OAB-RJ, o Conselho Federal da mesma instituição (em especial, para ciência da Comissão de Direitos Humanos) e às Corregedorias (Regional e Nacional) da Polícia Federal.

A Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar o comportamento do delegado, que continua em tramitação. Mas, o que provocou mais indignação no juiz Magalhães foi o ofício que recebeu do corregedor-geral do DPF, Valdinho Jacinto Caetano, no qual ele desenvolve, em seis laudas, a tese de que o oficial de Justiça deve se dirigir à penitenciária.

Em um trecho do documento afirma: “Considerando que é o diretor do presídio que deve soltar o preso em observância à determinação judicial, não faz sentido que o alvará de soltura seja endereçado à Polícia Federal, para que esta traga o custodiado do estabelecimento penal até a sua sede, onde então, ele, na presença do oficial de Justiça será posto em liberdade.”

Ele, como se estivesse ministrando uma aula, recorre ao Código de Processo Civil para mostrar ao juiz o embasamento da sua tese: “Esta Corregedoria-Geral entende que o procedimento correto é que os alvarás de soltura sejam dirigidos aos diretores dos estabelecimentos penais, cabendo aos oficiais de Justiça a tarefa de entregar a determinação judicial na cadeira pública ou penitenciária, onde, então, o preso será solto. No Código de Processo Penal não há dispositivo específico, mas no Código de Processo Civil, que pode ser usado como fonte, há o artigo 143 que permite inferir que o oficial de Justiça é que deve entregar o alvará de soltura no estabelecimento penal, a fim de que o preso seja posto em liberdade.”

Indo além, ele apresenta dois motivos para que o oficial de Justiça leve diretamente o alvará ao estabelecimento penitenciário. Primeiro lembra que cabe ao oficial cumprir a determinação judicial, em seguida, explica “que não cabe à Polícia Federal a escolta de presos, que é atribuição dos agentes penitenciários federais, nos termos do artigo 123 da Lei 11.907/2009”.

O delegado ainda cita a Resolução 108, de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça que prevê, no parágrafo 6º do artigo 1º que “o cumprimento de alvará de soltura é ato que envolve o juízo prolator da decisão e a autoridade administrativa responsável pela custodia”. Isto, para ele, é suficiente para provar que o oficial de Justiça deve se dirigir ao diretor do presídio.

O oficio irritou o juiz Magalhães. Em despacho nos autos, inicialmente, ele destacou o uso de “pronomes de tratamento incomuns para a hipótese”. Mas, bateu firme, porém, no que classificou de “ignorância sobre peculiaridades da realidade penitenciária do Rio de Janeiro”.

Primeiro destacou que a opinião do delegado não foi pedida até por ser, juridicamente, inócua: “este Juízo somente deu ciência ao Sr. Corregedor-Geral da Polícia Federal sobre o procedimento adotado por determinado policial federal plantonista, conforme certidão lavrada por Oficial de Justiça. Vale dizer que não foi prolatada qualquer determinação deste Juízo dirigida à referida autoridade administrativa e, muito menos, foi solicitada sua opinião acerca de qualquer assunto, até porque tal manifestação seria, como é, inócua, pois, como bem se sabe, tal agente é desprovido de competência jurisdicional ou atribuição de aconselhamento”.

Ele também recordou que, desde a extinção da carceragem da Superintendência, “TODOS os presos à disposição de todas as nove Varas Federais Criminais do Rio de Janeiro, SEM EXCEÇÃO, sempre foram e continuam sendo escoltados pela Polícia Federal quando da realização de atos processuais neste foro. O mesmo se pode dizer em relação ao cumprimento de alvarás de soltura” (grifo do original).

Para demonstrar a “ignorância” do corregedor, trouxe à tona um detalhe ao qual o ofício do delegado não fez menção: “No convênio celebrado junto à Seap/RJ, em agosto de 2010, a própria SR/DPF/RJ, na pessoa do atual Superintendente, o delegado de Polícia Federal, Dr. Ângelo Fernandes Gioia, fez constar, na cláusula segunda, item II, ‘h’, que é atribuição da Polícia Federal apresentar, perante o estabelecimento penitenciário estadual, cópia do alvará de soltura”. É o mesmo convênio que estipulou o horário de entregas de presos e de alvarás entre 8h e 20h, assinado pelo hoje adido policial na embaixada brasileira em Roma, Ângelo Gioia.

Por fim, relembrou que continua em vigor a Ordem de Serviço RJ-ODF-2011/00002, de 21 de fevereiro último, na qual a direção do Foro determina aos oficiais de Justiça que “entreguem o alvará de soltura ao delegado de plantão na Delegacia de Dia (Deldia) e que permaneçam nas dependências da Polícia Federal até a apresentação do preso trazido da unidade penitenciária estadual”. Ele não mencionou, mas no Judiciário entende-se que por ser uma ordem judicial, tem peso maior que qualquer convênio administrativo.

A indignação do juiz Magalhães, porém, é explicitada no final do seu despacho quando diz que a correspondência ao corregedor não se atinha a debater o convênio em si, “mas, antes de tudo, tem relação com a forma desarrazoada, desrespeitosa e indigna com que determinada autoridade policial comportou-se perante representante do Poder Judiciário”. Relembro, inclusive, que o delegado “teria dito, expressamente, que ‘não cumpre ordens judiciais’, afirmando, ainda, ser praxe na Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro que se deixe o alvará de soltura para cumprimento no dia seguinte, terminando por asseverar que, enquanto estavam ali, ‘o juiz estava de pijama tranquilo em sua casa’”.

Para o juiz, o corregedor “na aparente tentativa de buscar motivos para o injustificável emitiu opinião de que compete à Polícia Federal apenas executar ordens de prisão, descabendo-lhe qualquer participação posterior quanto à soltura ou escolta de presos provisórios”. No entendimento de Magalhães, trata-se de um “juízo de valor sobre procedimento tradicionalmente observado pela Justiça Federal Criminal do Rio de Janeiro”, motivo pelo qual determinou o envio do ofício e de toda a documentação a diversas autoridades para ciência e a tomada das providências cabíveis.

Foi a partir desta correspondência que o diretor do Foro tomou a iniciativa de buscar o convênio com a Secretaria de Administração Penitenciária, nos moldes do que ocorre com o Judiciário estadual, o que eliminará a interferência da Polícia Federal.

Mas, enquanto o convênio não sai, mesmo na vigência do projeto piloto que ele está implantando para que a conferência da ficha de antecedentes dos presos seja feita por meios eletrônicos,o juiz Tavares deixa claro que a Polícia Federal terá que continuar apresentando os presidiários aos oficiais de Justiça na Superintendência.

Tavares usa a mesma Resolução 108 do CNJ, citada pelo corregedor do DPF para rebater sua argumentação. Afinal, o texto deixa claro primeiro que o cumprimento de alvará de soltura deve ser feito “pelo meio mais expedido”, determinando ainda que o preso seja “colocado imediatamente em liberdade”. Ele ainda rebate o argumento de Caetano utilizando-se do texto completo do parágrafo 6º do artigo 1º citado no ofício do corregedor.

O dispositivo, apesar de dizer que “o ato envolve o juízo prolator da decisão e a autoridade administrativa responsável pela custodia”, como frisou o delegado, ressalta que o cumprimento do alvará “não está submetido à jurisdição, condições ou procedimentos de qualquer outro órgão judiciário ou administrativo”.

Com isto, para o diretor do Foro, enquanto não sair o convênio, fica valendo a ordem judicial e a Polícia Federal permanece encarregada de conduzir o preso à presença do oficial de Justiça, tal e qual prevê o convênio de cooperação técnica assinado entre a Superintendência do DPF e a Secretaria de Administração Penitenciária. Tavares conclui: “a irresignação dos policiais federais não tem nenhuma base, porque foram eles que se comprometeram, no convênio, a fazer este transporte de presos”.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-dez-05/pf-rio-nao-participar-cumprimento-alvaras-soltura